As famílias multiculturais e as memórias culinárias

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Não existe nada melhor do que começar o dia com um belo café da manhã!

Uma mesa farta, colorida pelas frutas e sucos, cheirosa por causa do pão e café fresquinhos, emoldurada pelas pessoas queridas e de conversas que podem ir de discussões políticas à simples troca de olhares e sorrisos confirmando o prazer do momento

Swedish breakfastNão importa onde e com quem eu esteja, sempre faço questão de tomar café da manhã. Lógico que, na maior parte das vezes, ele é muito mais simples e silencioso do que eu gostaria, mas assim mesmo, não perde sua importância. Entender este deleite começou a ser importante para mim quando percebi que, para o meu marido, que é sueco-americano, a refeição que realmente importa para ele é o jantar. Comida fresquinha, bem feita e farta é o que desperta os sentimentos dele.

Há uns anos, lendo o livro O Código Cultural, do francês Clotaire Rapaille, consegui, finalmente, compreender um pouco melhor o porquê desta enxurrada toda de sentimentos por causa de uma simples refeição. De acordo com Rapaille, todas as experiências vividas até os 7 anos de idade ficam registradas em nosso inconsciente. Pronto! Imediatamente consegui resgatar algumas lembranças da infância que confirmam a minha imagem idealizada da primeira refeição do dia. Conversando com meu marido sobre isso, ele me contou de como se divertia nos restaurantes que visitava com os pais, das vezes que, mesmo ainda sem saber ler, recebia o cardápio para escolher o que gostaria de comer e a expectativa do que lhe seria servido.

O apreço pelo café da manhã e pelo jantar que compartilhamos na família passou a ter uma importância ainda mais especial com o crescimento do Martin, nosso primeiro filho. Assim que ele passou a experimentar alimentos sólidos, nós tentamos, na medida do possível e respeitando as limitações de cada fase do desenvolvimento dele, passar para ele todas essas sensações ligadas às refeições mais importantes em nossa família.  Por isso, sentar-se à mesa com a gente, servir-se do que é oferecido e participar das conversas é uma das prioridades em casa.

Brazilian breakfastO momento fica ainda mais rico e interessante considerando nossa multiculturalidade e as adaptações necessárias para que as refeições mantenham sua mágica. No meu café da manhã em São Paulo, por exemplo, o mamão papaia tinha presença garantida todos os dias. Já aqui em Estocolmo, em razão do clima, as frutas variam de acordo com a estação do ano e o mamão é substituído por morangos, bananas, mirtilos e qualquer outra fruta suculenta que conseguimos encontrar nos mercados. O requeijão de copo, grande paixão na infância, foi substituído, sem qualquer problema pela incrível manteiga “made in Sweden”. E o pão torradinho, ah, esse faz sucesso tanto lá quanto cá!

Já no jantar, que é a especialidade do meu marido, a batata (equivalente da dupla arroz-feijão, no Brasil) divide espaço no cardápio semanal com arroz, trigo e pasta.

Sempre com muito diálogo, paciência e respeito à diversidade cultural da nossa família, procuramos adaptar nossas receitas às lembranças culturais e sentimentais de cada um de nós. Afinal, como bem escreveu Riglea Brauer Holva em seu primeiro artigo aqui na Bossinha citando o sociólogo belga Léo Moulin, “Nós comemos nossas lembranças, as mais seguras, temperadas de ritos, que marcam a primeira infância.”

E vocês, queridos leitores que têm pedacinhos do coração em diferentes partes do mundo, como fazem em casa para passar adiante para as novas gerações as lembranças culturais ligadas às refeições?


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Sobre o Colunista:

LETICIA PONTES, 37, é de São Paulo e mora em Estocolmo, Suécia, desde 2004. É advogada formada pela PUC e desde 2010 trabalha como consultora de imagem e de comunicação intercultural. Em sua família multicultural, onde três idiomas diferentes são falados e misturados sem a menor cerimônia, são as refeições entre pessoas queridas que a ensinam a conhecer as culturas além dos idiomas. E desde junho de 2015, quando virou mãe do Martin, se dedica, junto com seu marido, na criação do pimpolho para que ele seja um cidadão do mundo.