A primavera chegou, não tem melhor lugar para curti-la que Londres!

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img_mylondonPrimavera, que palavra bonita, até foneticamente é encantadora, mas ela é tímida quanto as suas qualidades. Primavera implica em súbita vontade de movimento e de energia, de animação e de otimismo. É uma fonte de água fresca, de mineral e vitalidade. Ansiamos que ela chegue e nos envolva como uma carícia à noite, sobre os colchões macios e sensíveis que nos revigoram. Não há dúvida: a primavera é uma amante versátil e atrevida. Talvez para a maioria dos britânicos, no entanto, a coisa mais encantadora sobre a primavera é o fato dela não ser o inverno.

Primavera, para mim você é a heroína dentre as fabulosas quatro estações. O verão, frequentemente protagonista, traz em si muitas promessas, mas a primavera tem algo de mágico e discreto. Nenhuma outra estação é capaz de criar tantas expectativas e de nos satisfazer com tanta graça. Em termos astronômicos, o Equinócio de março (19 a 21) marca a chegada oficial da primavera, mas como nós britânicos somos impacientes – e os londrinos ainda mais! –, o oficialismo celestial é para nerds. Venha 1º de março, venha primavera!

primavera1Pelo menos uma vez, gostaríamos de nos juntar aos nossos irmãos galeses em relação a uma questão, dado que os celtas escolheram o mesmo dia para celebrar o seu padroeiro, St. David. O fato dos ingleses terem escolhido o dia 23 de abril para celebrar o dia de St. George é uma questão de inconveniência meteorológica, já que é garantido que chove nesse dia. Aliás, os Irlandeses tradicionalmente acreditam que a primavera começa no dia de St. Brigid, 1º de fevereiro, o que é quase tão ridículo quanto a credibilidade histórica dada às bebedeiras do dia 17 de março, dia de St. Patrick (se você não pode vencê-los, junte-se a eles). E para os Escoceses, a origem das suas estações, “frio” e “mais frio ainda”, são menos óbvias.

A primavera é a estação propícia para que as pessoas se lembrem de como socializar. A hibernação acabou! O inverno longo e escuro, interrompido apenas para uma pausa saudável entre o Natal e o Ano Novo, finalmente acabou.  As promessas de Ano Novo, há tempos deixadas de lado, como presentes indesejados e o intransigente e ”seco” janeiro, não fazem mais do que nos deixar reclusos e paranoicos. Agora é recuperar o tempo perdido, já que sair para comprar o jornal não é mais um “esporte radical”. Guarde a caxemira e os casacões: a primavera está florescendo.

Então o que acontece exatamente em março e abril, já que a primavera se estende até 21 de junho (solstício de verão, qualquer nerd te dirá), que nos deixa encantados? Bem, para começar janeiro e fevereiro foram descartados, é muito mais que o nosso primeiro vislumbre de sol; é uma atitude.

A moda muda, as coleções de inverno, rejeitadas como um casaco gasto, são jogadas para o fundo do armário, substituídos por desenhos florais e tons pastéis em estampas leves. Os habilidosos jardineiros começam a mostrar seus talentos, criando belezas em jardins ao ar livre. Programações de entretenimento desviam seu foco da banalidade do tapete vermelho de premiações, em uma tentativa de castigar os preguiçosos blockbusters de verão. Pubs atualizam freneticamente seus cardápios a fim de escapar da mesmice dos drinks frios para bebidas mais refrescantes. Março e abril, os nossos “queridinhos” da primavera, nos trazem entusiasmo e energias renovadas.

É como uma boa noite de sono, as coisas não parecem tão ruins, não é? Seu chefe parece menos pedante hoje. Você não chega (ou sai) na escuridão. Os drinks depois do trabalho parecem menos amargos hoje à noite, e de alguma forma mais leves; talvez “borbulhantes”. Você se sente revigorado, revivido. E inexplicavelmente, todos – não, isso não é papo de quem bebeu Prosecco – parecem ter um brilho no olhar.

primaveraA primavera significa, em todos os sentidos, rejuvenescer; um despertar coletivo dos sentidos. Este excesso de estímulos é a forma com que a natureza nos parabeniza pela nossa tenacidade e resistência, para exercitar as juntas e melhorar nossos lábios que foram rachados pelos ventos fortes durante muitos meses. Mas não devemos nos esconder mais nas sombras, nos refugiar dentro das lojas e em estações de metrô superlotadas.

Talvez por isso os britânicos falem tão apaixonadamente sobre o tempo.  Nosso estereótipo cultural nos mostra sempre reclamando sobre o clima enquanto saboreamos nosso chá, e talvez isso seja injusto para uma nação que simplesmente gosta de um bom papo (estivemos dormindo por todo o inverno), e é impotentemente controlada pelo clima. O calendário é separado pelas forças metereológicas (estações), para nos prepararmos e nos adaptarmos, de forma que o clima não nos incomode tanto. A primavera no Brasil, neste ponto, dada a consistência relativa do clima, é, sem dúvida, menos significativa. Março representa o início do outono e é geralmente um pouco úmido demais. O horário de verão produz efeito um pouco mais cedo por estas bandas, ou seja, a calibração atmosférica começa a sair um pouco mais cedo. Então os brasileiros, dada a alteração menos perceptível, tendem a se envolver menos emocionalmente neste processo. Os meses de verão quentes e pegajosos, como janeiro e fevereiro, dão lugar a uma temperatura mais amena. Com o calor cedendo, as chuvas nesse período são bem-vindas. As “Águas de Março” (chuvas de março que muitas vezes se prolongam até abril) são a versão “Sampa” das chuvas de abril, porém, torrenciais. Enchentes e deslizamentos de terra são ameaças reais, o que é cruelmente irônico, dado que grande parte do continente sofre extensa seca durante o primeiro trimestre do ano. Enquanto digito, o típico horizonte de São Paulo me cega. É a nuance mais pura do que se possa imaginar, de um azul bebê magnífico. Porém, mesmo sendo tão esplêndido, eu sei que falta uma parte de mim neste momento, algo inerente à minha natureza: a primavera de março e abril, em Londres. Ela não é surpreendente? Qual outra estação pode se definir de forma tão eloquente?

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Sobre o Colunista:

Ed, inglês de 37 anos, vive em São Paulo desde 2008. É escritor, tradutor e especialista em branding internacional. Sendo pai de dois brasileirinhos, Willoughby e Jasper, ele passa grande parte de seu tempo lhes ensinando os méritos do golfe, rúgbi e críquete.