Nossa renomada chef brasileira em Londres, Luciana Berry, conta para os leitores da BBMag a sua visão da cozinha brasileira moderna e atual
A culinária brasileira passa por uma fase extremamente importante. Mesmo demorando um pouco em relação a outros países, conseguimos acordar a tempo para a revolução gastronômica que estamos enfrentando.
Peru e México souberam reinventar suas cozinhas e foram além da gastronomia, enaltecendo sua cultura e transformando-se em destinos gastronômicos.
O Peru, por exemplo, modernizou seus pratos usando uma roupagem mais saudável, colorida e fresca: deu certo! O ceviche era um prato da América do Sul e hoje é conhecido em qualquer lugar como sendo peruano, virou moda. Foi possível repetir a receita porque os ingredientes são encontrados em vários lugares do mundo.
Hoje em dia temos uma facilidade incrível de ter acesso a receitas, saber de onde vieram e suas influências. Basta acessar a internet e pronto: um prato com milhões de interpretações. Isso não quer dizer mudar a receita ou destruir suas raízes. Pelo contrário, é modificar alguns aspectos para que ele seja aceito em um mundo cada vez mais exigente. Se um Chef além de recriar um prato, consegue deixar sua marca e passar uma mensagem, é muito inspirador.
Adoro recriar e as pessoas me perguntam de onde vem as minhas criações. Ninguém cria, só recriamos, tudo se copia. Nós, Chefs, pegamos inspirações de nossos colegas. O importante é, quando copiar a receita, conseguir colocar seu toque e sua interpretação.
As pessoas acham que para preparar um prato brasileiro é preciso comprar os ingredientes em loja brasileira. Aqui na Inglaterra os compro em lojas do Sri- Lanka, Índia, China, Tailândia, Japão, Portugal, Gana, Jamaica e por aí vai. Acho jaca, chuchu, tamarindo, mandioca e até rapadura nessas lojas. O maior inimigo da nossa culinária é o desconhecimento dela. Como brasileira e patriota, luto todos os dias para introduzi-la aqui.
Na Inglaterra, por exemplo, muitas pessoas acham que no Brasil só comemos churrasco e feijão. Quando participei do Masterchef, me paravam na rua para falar que não sabiam que usávamos pimenta, leite de coco, quiabo e camarão seco. Por ser baiana, usei e abusei desses ingredientes nas receitas.
Fazer as pessoas conhecerem a nossa culinária desperta o interesse na nossa história, como a receita foi criada, por qual povo, quais as influências e mudanças que sofreram através do tempo. Existem tantas lendas e histórias atrás de uma receita! Acho super legal quando um prato tem um enredo.
Certa vez fiz um evento para uma rede de hotéis da Europa, cujo primeiro deles tinha sido construído em Belém. Então foi lá que me inspirei. O primeiro prato foi “pato com tucupi”. Na base coloquei grama molhada com lascas de madeira e gelo seco. A infusão que fiz tinha madeira defumada. Quando colocamos a infusão quente no gelo seco, a fumaça permeou a grama no prato e o cheiro de floresta molhada se espalhou pelo salão. Um espetáculo usando um prato tão tradicional.
É dessa maneira que divulgo a culinária brasileira em Londres: pesquisando e contando uma história.
É preciso entender a relação do homem com a alimentação. Para alguns povos o ato de comer é um ritual sagrado. Comer para sobreviver transcendeu e hoje é dos nossos maiores prazeres. A mesa é o móvel mais importante da casa, pois é ao redor dela que reunimos amigos e família. Ali passamos momentos felizes com pessoas que gostamos.
O Brasil tem um das culinárias mais exóticas e complexas do mundo. O único prato que temos em comum é o “arroz e feijão”. Cada região teve influência maior ou menor de um povo. No Nordeste, por exemplo, há predominância africana devido à chegada dos escravos ter sido por ali; no Sul predomina a europeia devido à chegada dos imigrantes do Velho Continente.
Mostrar a nossa culinária é promover quem somos. No Brasil estamos acostumados a dar valor só ao que vem de fora. Lembro-me de um amigo que pediu para levar geleia de blueberry para ele e eu disse: “Não levo porque aí você tem jabuticaba e é muito mais gostoso”.
Em Londres se come batata com quase tudo, mas a substituí pela mandioca, como na receita do famoso “shepherd’s pie” inglês. O Sunday roast, um assado famoso servido com massa de panqueca “Yorkshire pudding”, sirvo com feijão tropeiro, que traduzi para “cowboy beans”. Um cliente americano pediu para incluir “cowboy beans” no tradicional almoço de “Thanksgiving” (Ação de Graças). Adorei: abrasileiramos até uma tradição americana!
A culinária é uma arte em constante mudança para atender à moda e ao público cada vez mais exigente. Se não seguirmos essa tendência ficamos ultrapassados.
As pessoas passaram a se preocupar mais com o que comem e a moda da comida saudável virou tendência mundial. A melhor para mim é a culinária sustentável, ou seja, saber de onde vem o alimento. Quando cheguei à Inglaterra quase ninguém comprava ovos “free range”, mas sim os ovos de granjas, por serem mais baratos. Hoje em dia os ovos “free range” são os mais vendidos. Propagandas e educação para a população são necessárias para mudarmos hábitos que sejam nocivos ao meio ambiente.
É fundamental educar e ensinar a importância de proteger o Planeta e, se for possível, mudarmos nossos hábitos alimentares. Não adianta querer ser vegetariano em Londres e comer um abacate que vem de Israel. Muito melhor você comer as frutas e legumes da estação e de produtores locais.
Para a gastronomia brasileira avançar temos que nos conscientizar de nossos hábitos para salvar o meio ambiente. Isso nos uniria como um povo que luta pela mesma causa e promoveria a culinária brasileira sustentável para o mundo.