Em uma conversa descontraída, a talentosa cantora Maria Gadú – que se apresenta em Londres neste mês de outubro – nos contou sobre sua paixão pela música, seu processo criativo e muito mais…
BBMag – Para começar, gostaríamos de saber um pouco sobre sua ligação com a música, como e por que começou.
MG – Não consigo identificar o porquê de uma paixão. Principalmente se tratando de uma paixão por algo tão múltiplo, ligado aos sentimentos, religião, cabeça e corpo. A música é isso pra mim. Sempre foi. Me arrepia, choro, vibro, enraiveço.
BBMag – Você é cantora e também compositora. Onde encontra inspiração para compor? Seu processo é mais disciplinar ou Euterpe (musa da inspiração musical) aparece de repente, sem hora nem lugar?
MG – Depende do dia. Por muitas vezes a inspiração vem de algo que te estimulou ali, naquele segundo, e abriu um portal melódico na sua cabeça. Ai a composição necessita ser feita on time. Outras vezes uma ideia vem se desenvolvendo ao longo dos dias e você vai estruturando a canção conforme ela vai existindo. Existe o pré-tema. Você escolhe sobre o que vai falar. Elege um assunto, uma musa, uma situação e escreve sobre. Do contrário, o assunto te escolhe ou a musa te enlouquece. Os dois são ótimos.
BBMag – Com tanto talento, o sucesso é mera consequência, e você se tornou uma referência da MPB, não só no Brasil, mas também internacionalmente. Como você se sente em relação a isso?
MG – Não me sinto com toda essa pompa não, rs. Sucesso pra mim é satisfação de fazer o que gosta. Sempre fui feliz dentro da minha profissão, aprendendo e evoluindo, como todos os que se dispõem, independente da função. Tocava nos bares, pagava minhas contas, vivia feliz. Depois da popularidade, a meu ver, nada mudou. Continuo fazendo o que mais amo, com disciplina e muita entrega. Olho pra trás e vejo desde a minha primeira apresentação, até as lindas oportunidades de cantar com Tony Bennett, Caetano Veloso, Milton Nascimento e outros ídolos, uma trajetória honesta e feliz. É assim que me sinto há 26 anos!
BBMag – A MPB é muito admirada e escutada ao redor do mundo, e em Londres não é diferente. O que você acha que ela tem que conquista tanto as pessoas?
MG – A língua portuguesa, a meu ver, tem um magnetismo diferente. Abriga fonemas diversos e possibilita um balé melódico simples e complexo ao mesmo tempo. Dentro disso, o Brasil, num passeio bem antropológico, é detentor de culturas absurdamente fortes musicalmente – o samba, o maracatu, o carimbó, a bossa nova. Isso instiga os ouvidos, não apenas dos estrangeiros, mas também do próprio brasileiro, que consome muito a própria cultura.
BBMag – Quais artistas você admira? Algum britânico na sua playlist?
MG – Ah. Sou grande admiradora de muita gente! Desde a melancolia dos anos 50 com Maysa e Dolores Duran, até o samba de Paulinho da Viola, a pluralidade de Caetano Veloso, o populismo de Chico Buarque, o rock de Lenine e muito mais. Da safra britânica me rendo aos Beatles, The Who, Amy Winehouse, Daughter, The XX, Radiohead, entre outros. Gosto de sons do mundo como as franco-cubanas Ibeyi, a cabo-verdiana Mayra Andrade e o português António Zambujo.
BBMag – A respeito do seu mais recente álbum Guelã, conte mais sobre ele.
MG – Guelã nasceu no meu desejo de silenciar. Após muitos anos corridos sem pausa, aprendendo diariamente com uma banda brilhante, colaborando com ídolos e rodando o mundo, precisei parar, respirar e entender onde estava em mim aquilo tudo que vivi. Receber meus avanços e limitações como musicista, voltar a estudar, ler. Aí vem a nova sonoridade, as novas descobertas, o novo vocabulário. O silêncio é uma maravilha. Você fica feio e bonito o tempo todo. Guelã é isso.
BBMag – Sua meta já alcançada e a meta ainda a alcançar seriam…
MG – Meta alcançada: fecundar, gerar, nascer. A alcançar: fecundar, gerar, parir.