A diferença entre latinos e hispânicos

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Ambos os termos costumam ser usados como sinônimos, mas nem sempre essa definição está correta 

Identidades culturais, étnicas e geográficas são conceitos complexos que podem ser facilmente confundidos. Dá até para dizer que não existe uma definição mais concreta ou linear sobre estes aspectos. Por mais que, vez ou outra, surja uma teoria antropológica, mas que na prática acaba indo, muitas vezes, no caminho contrário. Tendo isso em mente, quais são as diferenças entre o que chamamos de latino e o que chamamos de hispânico? 

Vamos fazer um exercício rápido. Entre em um dicionário virtual qualquer e digite a palavra “latino”. Muito provavelmente, com uma ou outra variação, uma das primeiras definições que vai aparecer nos resultados é: 

Povos latinos. Aqueles cuja língua deriva do latim (português, espanhol, francês, italiano, romeno etc.).” 

Muitas outras explicações derivam desse conceito, seja para transformar a palavra num adjetivo, que diz respeito às pessoas que vivem na América Latina, ou então para os falantes de idiomas derivados do latim. Mais recentemente na história das Américas, no entanto, o termo foi usado, em especial nos Estados Unidos, para definir a raça da população. Esse cenário é importante para definir o problema: junto à opção “latino” no censo americano, estava a opção “hispânico”, como se fossem sinônimos. E não são. 

Repetindo o mesmo exercício, no mesmo dicionário, digite a palavra “hispânico”. Novamente, com alguma variação, é provável que você encontre a seguinte definição: 

“Relativo à Espanha; espanhol.” 

Seguindo à risca a norma dos dicionários, a diferença parece bastante clara, principalmente na primeira parte, não? O problema está justamente na língua espanhola, que se conecta direto ao conceito de latino. Uma resolução simples, mas pouco proveitosa e até incompleta para essa dúvida, é decidir que o adjetivo ou expressão “latino” engloba o adjetivo “hispânico”, como numa família ortográfica daquelas que vemos no ensino fundamental. 

O problema dessa resposta é que há todo um contexto sócio-político por trás do uso das palavras. Sem entrar no mérito de fato linguístico do problema, vemos que o povo latino está concentrado no que se chama de América Latina. O equívoco disso é englobar várias culturas e etnias diferentes sob um só guarda-chuva racial, o que, é claro, restringe bastante o reconhecimento de certos pedaços dessa sociedade, que por si só é bem plural, além de estar conceitualmente errado – “latino” não é uma raça. 

Dá para argumentar que isso são  rótulos, mas são eles que, normalmente, designam a posição das pessoas em determinado local ou mesmo na história. Sendo assim, é normal, também, existir descontentamento em relação aos tais rótulos.  

Infelizmente, essas definições podem ser usadas para diminuir uma parcela da população em detrimento de outra, o que pode revelar certo preconceito. Dificilmente um espanhol aceita a designação de “latino”, preferindo ser chamado de “hispânico” – a América Latina, nessa visão, é o centro dos colonizados, não dos colonizadores, apesar de dividirem a mesma língua e uma história em comum. 

Para entender melhor esse processo, é necessário observar a formação da América Latina, que, por si só, é um tanto complicada. A administração espanhola no período colonial colaborou para que as colônias não tivessem muito contato entre si, mantendo relações mercantis e políticas quase que restritas à metrópole. Isso potencializou, se assim podemos dizer, a individualidade de cada região, o que, por sua vez, teve como um dos resultados mais conhecidos a falha da revolução bolivariana, que queria unificar uma América Latina num só país.

Outro aspecto fundamental é o tipo de colônia que era mantido na chamada América Latina. Todas as colônias espanholas estavam na categoria de exploração, ou seja, a produção era voltada para o mercado externo, havia grande dependência da metrópole e pouco desenvolvimento da indústria local, o que a longo prazo enfraqueceu o poder de competitividade desses países contra, por exemplo, os Estados Unidos, que era uma colônia de povoamento. 

Por isso, para entender de fato a independência e a criação dos Estados nacionais, chamados hoje de países, é necessário analisar com calma cada um deles individualmente. 

De modo mais simples, a América Latina é uma região fragmentada que não conseguiu formar uma identidade nacional na época da independência. Isso significa que ela formou agora? Também não. Cada um dos países colonizados pela Espanha, apesar de dividirem esse passado comum, teve suas próprias características de formação. É possível dizer que o que une os países denominados “latinos” hoje nada mais é do que eles serem tão diferentes entre si. 

O termo “hispânico”, por outro lado, tem origem nos tempos da conquista da Península Ibérica (onde estão Portugal e Espanha), quando o Império Romano conquistou a região, então chamada de Hispânia. Como dado curioso, o escritor romano Sêneca nasceu nessa região. O nome que conhecemos hoje – Espanha – é uma variante do nome Hispânia, importante para a cultura local. 

O problema é que todos estes detalhes foram esquecidos e reduzidos a uma definição mais simplória: a de raça, sem considerar outros fatores. Ora, como avaliar a raça de uma pessoa assim? Um estereótipo comum é o de imaginar os latinos como pessoas de pele bronzeada, temperamento mais caloroso e apaixonado. Até os italianos, por muitas vezes, são chamados de latinos. Pouco se pensa, por exemplo, em pessoas de pele escura ou indígenas como latinos, mas eles são, sim, tão latinos quanto qualquer outro. 

Latinos só falam espanhol? Não. Latinos só moram em países que foram colonizados pela Espanha? Também não. Latinos são uma raça? Não. Então, você deve se perguntar: quem são os latinos e por qual motivo eles são tão diferentes dos hispânicos? 

Bem, a América Latina é uma definição (lembra dos rótulos mencionados antes no texto?) geográfica usada para englobar certas populações cujas origens são semelhantes, como é o caso dos países que tiveram colonização espanhola ou mesmo o Brasil, que teve a portuguesa. De certa maneira, chamar alguém de ascendência latina de “latino” pode ser o equivalente a chamar qualquer pessoa “de raça amarela” e de olhos puxados de “japonês”, desrespeitando toda uma cultura e tradição específicas do país de origem. 

Nesse sentido, uma significação do termo “latino” que não demonstra tanta diferença é a linguística. As línguas neolatinas são aquelas derivadas do latim, como mostramos logo no início da matéria – português, espanhol, italiano, francês e romeno são as mais conhecidas. Vale dizer, ainda, que os latinos podem ser hispânicos, apesar disso não ser regra. Infelizmente, essa ideia não eliminará o problema, que já está enraizado na sociedade ocidental. 

O termo “hispânico”, por outro lado, foi usado na administração americana para definir a raça dos imigrantes que falavam espanhol ou eram descendentes de espanhóis. Como o nome apareceu junto à palavra “latino”, ficou definido que ambos versavam sobre o mesmo grupo de pessoas.  

Isso acontece justamente pelo histórico de exploração das colônias pela metrópole. Felizmente, hoje a relação destes países se desenvolveu, dentro do possível, e há acordos de cooperação mútua em áreas como pesquisa e negócios. 

Mencionamos que latinos podem ser hispânicos, mas podem não ser também – e é essa a relação complexa que tentamos mostrar aqui. 

Conforme o jornal El País, responsável por entrevistar o pesquisador e professor Ed Morales, da Universidade de Colúmbia, a palavra “hispânico” passou a ter uma conotação negativa a muitas nacionalidades por trazer à tona justamente a Espanha – colonizadora – antes das identidades nacionais – colonizados -, motivo pelo qual muitos ativistas adotaram o termo “latino”. 

Não é de se espantar que essa população busque resgatar suas identidades próprias, já que muitos países tiveram influência, em maior ou menor nível, de grandes países ocidentais, como os Estados Unidos, Inglaterra, França e a própria Espanha. Não à toa, a população latina dos EUA chega a quase 20% do total, sendo o segundo grupo étnico mais abundante depois dos americanos brancos. 

De acordo com a BBC, outra pesquisa também mostra que mais da metade dos descendentes de “latinos” nos Estados Unidos preferem ser chamados ou definidos pelas suas próprias ancestralidades, e não por termos amplos como “latino”. Isso representa uma busca maior pela origem de cada família. 

Segundo a imprensa especializada e outros pesquisadores da área, a definição de “latino” para os mais engajados socialmente era, portanto, a luta por direitos iguais, como educação bilíngue, remuneração justa e mesmo o direito ao voto. Ser “latino”, assim, não tinha nada a ver com uma questão racial.

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